A deliberação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) de suspender a cobrança da chamada “Sobretaxa de Seca” ou “Low Water Surcharge (LWS)” pelas empresas de navegação que operam na Região Amazônica, tomada no fim do mês de outubro, pegou de surpresa a Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac). Entidade que reúne todas as empresas brasileiras de contêineres, Abac afirma que a decisão foi tomada sem que a Antaq ouvisse as empresas de navegação, atendendo apenas ao pedido de cautelar feito pela Associação Comercial da Amazônia, que alegou inexistência de dificuldades de navegação.
A deliberação da agência reguladora foi “ad referendum”, ou seja, posteriormente foi aprovada pelo Colegiado e tornou-se definitiva. A Abac pleiteia ser ouvida, já que as decisões da Antaq deveriam ser tomadas depois de ambas as partes colocarem suas visões do fato.
“Eu entendo que este é o papel do órgão regulador, mas a decisão foi tomada apenas com base numa denúncia feita pela Associação Comercial, sem nenhuma comprovação, de que o valor cobrado é abusivo. Além disso, é necessário que se analise a veracidade dos fatos apresentados, como, por exemplo, de que não há restrições à navegação. Ao contrário: o representante local da Autoridade Marítima define, diariamente, o limite dos navios que podem navegar nos trechos críticos. Tomar esta decisão com base em uma denúncia é desconsiderar as condições reais de navegabilidade e os custos adicionais enfrentados pelas empresas durante o período de estiagem, que ocorre anualmente no segundo semestre”, disse o diretor-executivo da Abac, Luis Resano.
Estiagem limita navegação
“Sobretaxa de Seca” é um valor temporário, muitas vezes previsto em contrato feito entre a empresa de navegação e o cliente que utiliza o transporte, para minimizar os prejuízos causados pelo evento. Isto acontece no mundo inteiro, e no Brasil, mais especificamente, na Região Amazônica. A estiagem limita a navegação, já que os navios precisam levar menos carga, causando prejuízo às empresas.
A Capitania dos Portos, autoridade que define a segurança da navegação para as embarcações, determina que o calado (parte submersa da embarcação) permitido entre o trecho que vai da enseada do Rio Madeira ao Tabocal, no Amazonas, seja de 10,6 metros, guardando ainda mais 1,7 metro de folga abaixo da quilha (parte inferior do casco do navio até o fundo do rio). Situação como esta, que ocorre mais uma vez este ano, torna impossível que um grande navio possa carregar na sua capacidade total e atender a esses parâmetros, obrigando as empresas a reduzirem bastante a carga para que a embarcação não pese, correndo o risco de encalhar e descumprir as determinações da Autoridade Marítima. A questão é que, por conta das mudanças climáticas, está cada vez mais difícil prever esse período antecipadamente.
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O CEO da Norcoast, uma das empresas associadas à Abac, Fabiano Lorenzi, disse dar oportunidade para que os clientes antecipem suas cargas, quando possível, para evitarem a sobretaxa: “Trabalhamos com planejamento para garantir aos clientes o abastecimento desses mercados no período de seca, geralmente entre outubro e dezembro, por isso é uma taxa provisória. São volumes bastante relevantes que saem de Manaus e nos sentimos responsáveis pela importância do transporte para essa região”, disse Lorenzi.
Em 2023 foi registrada uma seca considerada histórica na bacia do Rio Amazonas, que se estendeu para 2024, determinando a cobrança da “Sobretaxa de Seca”. Lorenzi faz questão de afirmar que não se trata de um valor para aumentar os lucros, mas para evitar as perdas. “Se eu transportar menos contêineres, como determina legitimamente a Capitania dos Portos para evitar riscos, nosso custo fixo continua sendo o mesmo. Precisamos pagar os funcionários e tudo o que o navio demanda. A sobretaxa, assim, serve para garantirmos o equilíbrio econômico. E, como antecipamos a questão para os clientes, muitos deles conseguem fazer a adaptação, um planejamento, e antecipam as cargas”, afirma.
Uma providência que ajuda a melhorar a navegabilidade nos canais, mesmo em tempo de seca, é a dragagem dos rios. O órgão responsável pela tarefa é o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) que, segundo o diretor-executivo da Abac, Luis Resano, este ano ainda não fez a dragagem:
“Sabemos que vai ter seca todos os anos, mais severa ou menos severa. Desde 2023 estamos comunicando ao DNIT que é preciso fazer a dragagem dos rios para podermos fazer a passagem. Em 2023 eles fizeram, mas tardiamente. Em 2024 fizeram um contrato de dragagem por cinco anos, o que nos deu a esperança de que em 2025 seria feito no tempo certo. Até agora o equipamento não chegou e nós já estamos navegando com restrição. Quando a Antaq suspende nossa possibilidade de cobrar a “Sobretaxa de Seca”, entendemos que estamos sendo punidos por uma ineficiência do estado”, disse Resano.
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Na expectativa de que a decisão da Antaq possa ser revertida, a Abac traça os planos do que considera que poderia ser a situação ideal nesse caso: “Somos parceiros da Antaq, sabemos que é um órgão necessário para a regulação do setor. O que queremos é conversar para apresentar nossos pontos. Fomos surpreendidos com a decisão, só tivemos acesso à denúncia da Associação Comercial após a medida cautelar”, lembrou Resano.
A Abac afirma que não tem nenhuma restrição às medidas determinadas pela Capitania dos Portos, já que elas servem para dar segurança às navegações.
“Mas um dado importante é que nós somos o setor privado, ou seja, precisamos, pelo menos, não ter prejuízo com nossa atividade. Se um navio descumprir a norma da Capitania e encalhar, o acidente não será coberto pelo seguro, o que significa que tudo ficará por nossa conta. Esses detalhes é que queremos poder colocar na mesa quando conseguirmos ser ouvidos pela Antaq”, conclui Resano.
Transporte menos poluente
Criada em 1973, a Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem agrega 70 navios na bandeira brasileira das associadas e 29 no transporte de contêineres. Sua missão é cuidar da parte institucional do transporte por cabotagem. Trata-se de um tipo de transporte que, embora faça parte do dia a dia da população, geralmente é pouco visto.
“Costumo dizer que até a latinha de cerveja que se consome foi transportada por cabotagem. Só em Manaus embarcamos cerca de 30 mil contêineres por mês, um volume grande que não é percebido pela sociedade. É uma logística importante, que contribui muito para diminuir o transporte de carga rodoviário”, explicou Resano.
Um estudo feito pelo Boston Consultinh Group (BCG) listou o equilíbrio da matriz de transporte como alavanca número um para a descarbonização. O maior uso de ferrovias e aquavias pode contribuir, segundo o estudo, para redução de até 65 milhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera.
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